Quem é que paga por isso?
Por Ademir Assunção
Hoje vou participar de um bate-papo e de uma leitura de poemas, ao lado de Marcelo Tápia, com mediação de Donny Correia, na Bienal do Livro. A partir das 19h30, no estande da Volkswagen.
Eu vou lá para falar de coisas que levo muito a sério: linguagem poética, visões (e alucinações) de mundo, e vou ler alguns poemas. Mas eu quero falar também de algumas coisas que continuam me preocupando. Cada vez mais.
Talvez por conta desses megaeventos como Bienal do Livro e Festa Literária de Paraty, muita gente pensa que escritores e poetas vivem num mundo de glamour. Bobagem. Literatura exige talento, vocação, seriedade, e também trabalho. Muito trabalho. Ralação. E escritores e poetas são tratados cada vez mais como trabalhadores altamente desqualificados. São cada vez menos respeitados. Na indústria do livro, todos ganham (do gráfico ao editor), menos o escritor, menos o poeta. Essa é que a verdade. Pergunte a um escritor e a um poeta quais são seus direitos. Nenhum.
Noventa por cento do que é vendido, ou que movimenta a Bienal do Livro, é lixo. Digam a verdade. Não me venham dizer que ler livros de merda é bom, que pelo menos cria o hábito de leitura. Todo mundo sabe que não é verdade. Também não me digam que o aumento das vendas da indústria editorial é bom para os escritores e poetas, porque faz com que as editoras possam investir em literatura e poesia de verdade. Conversa pra boi dormir. Esse lixo editorial atrapalha os escritores, os poetas, o público, o país. O público é enganado. O nível cai à estaca abaixo de zero. Quem é acostumado a ler livros enganadores jamais vai gostar de literatura e de poesia de verdade, porque isso exige maior sofisticação, maior cuidado, tanto de quem faz quanto de quem lê. Literatura não ensina ninguém a ser feliz, não traz promessas artificiais de como se dar bem na vida. Literatura e poesia, ao contrário, trazem questionamentos, visões críticas, desconforto até, principalmente num mundo tão injusto, tão esquizofrênico, tão desconfortável.
É por isso que quando apresentamos nossos livros aos editores, principalmente se for um livro de poesia, freqüentemente ouvimos: isso não vende. Por que? Porque estão acostumando os leitores com coisas fáceis, com coisas imbecis. Então, a lógica funciona ao avesso. Quanto mais os livros imbecis vendem, mais a literatura e a poesia de verdade são estranguladas. Isso está acontecendo em escala escandalosa na música. Liguem o rádio, liguem a TV, pra ver se estou falando bobagem. Quando o nível cai abaixo de zero, isso só é bom para quem se pauta apenas por interesses comerciais.
Ninguém vai me convencer que os enlatados americanos fabricados diariamente por Hollywood vão preparar o espectador para um filme de Cassavetes, de Sérgio Leone, de Jim Jarmush, de Kurosawa. Não vão. Ao contrário, vai ter cada vez menos espaço para diretores como esses.
E quem perde com isso? O país. Que vai tendo sua cultura cada vez mais desmilingüida. O público. Que é enganado. E os artistas de verdade, que têm cada vez menos espaço.
Quando se fala em literatura russa se pensa logo em Dostoievski, em Tolstoi, em Tchecov, em Maiakovski, e certamente tem um punhado de autores contemporâneos, produzindo literatura crítica, densa, profunda, que não conhecemos.
E quando se falar em literatura brasileira perante o mundo, vamos falar de quem?
Na indústria editorial, o elo mais fraco é justamente quem produz. É o escritor. É o poeta. Se for crítico, denso, elaborado, então, aí está condenado ao limbo profundo, ao desespero, ao desrespeito total. Viu, ministro Juca Ferreira. Viu, donos de jornais? Viu, editores? Viu, leitores. Isso é sério. Nos ouça.
O escritor e o poeta brasileiros estão sendo calados dentro do próprio país. O que fazem não repercute. Não é debatido. Não alcança o espaço público de verdade. Por conta de toda essa embromação. E some-se aí a total irresponsabilidade das mídias tradicionais. E o silêncio da universidade.
E os próprios escritores e poetas também são responsáveis por isso. Porque não se posicionam, não criticam, não apontam o que está errado, não levantam a voz. Não se fazem respeitar. Se nós não nos respeitamos, vamos esperar que os leitores nos respeitem? Nos leiam? Como?
Isso é sério. Isso é grave. Ou não?
Então eu vou lá na Bienal para falar de poesia, daquilo a que me dedico há mais de 30 anos. Mas vou lá para falar disso também. Para dizer que não concordo. Para dizer que é preciso mudar esse quadro.
Aliás, eu vou lá trabalhar (não vou lá me exibir como um pavão). E eu deveria receber por isso. Ou será que a Volkswagen, que tem um estande na Bienal do Livro, não tem dinheiro para pagar os escritores e poetas brasileiros que vão lá trabalhar?
E vou fazer um pedido público aqui: quem achar que não estou falando besteira, quem achar que esse debate merece ser travado, repercuta isso. Fale. Se posicione. Espalhe. Falar com as paredes é a pior das sensações.
Texto, publicado no blogue "espelunca": http://zonabranca.blog.uol.com.br
Ademir Assunção é poeta e jornalista, autor dos livros LSD Nô, Zona Branca e Adorável Criatura Frankenstein e do cd Rebelião na Zona Fantasma. É um dos editores da revista Coyote.
sábado, 23 de agosto de 2008
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