"Locke, no século XVII, postulou (e reprovou) um idioma impossível no qual cada coisa individual, cada pedra, cada pássaro e cada ramo tivesse um nome próprio.
Funes projetou certa vez um idioma análogo, mas o rejeitou por parecer-lhe demasiado geral, demasiado ambíguo.(...) Este, não o esqueçamos, era quase incapaz de idéias gerais, platônicas. Não lhe custava compreender somente que o símbolo genérico "cão" abrangesse tantos indivíduos díspares de diversos tamanhos e diversas formas; aborrecia-o que o cão das três e quatorze (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que o cão das três e quatro (visto de frente). (...)
Tinha aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito, entretanto, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No abarrotado mundo de Funes não havia senão pormenores, quase imediatos."
"Funes, o Memorioso" (1956), Jorge Luis Borges.