sexta-feira, 16 de maio de 2008

A VOZ DO ESCRITOR



"Minha linguagem é uma prostituta universal que eu tenho que transformar numa virgem" - KARL KRAUSS


Uma vez SAMUEL BECKETT, o mais austero dos escritores, comparou "escrever com estilo, essa vaidade...a uma gravata-borboleta em volta de uma garganta com câncer".


"Quando lemos Freud, escutamos um homem brilhante exibindo para nós todo o poder de sua mente. Ao comparar o ato de escrever à psicanálise, estou implicitamente afirmando que para um indivíduo encontrar sua voz própria como escritor, em determinados aspectos é como o caprichoso processo de se tornar adulto" ALFRED ALVAREZ.


"O caos, numa obra de arte, deve cintilar através do véu da ordem." NOVALIS


"Comecei o exercício terapêutico de expurgar da minha mente todos aqueles demônios aprisionados que aguardavam convocação para vir à tona." RALPH STEADMAN


A FIDELIDADE DAS COISAS

"A poesia de Zbigniew Herbert acrescenta à biografia da civilização a sensibilidade de um homem que não foi derrotado pelo século que empreendeu, da forma mais completa e eficiente, a desumanização da espécie humana.
A ironia de Herbert, sua discrição austera e sua compaixão, a lucidez de seu lirismo, a intensidade de seu amor pela antiguidade clássica, não são apenas ornamentos exibidos por um poeta moderno, e sim a armadura - no seu caso, de aço bem temperado e reluzente - de que um homem precisa para não ser esmagado pelas investidas da realidade.
Como não oferece a seus leitores concessões estéticas nem éticas, esse poeta os salva daquela pobreza que não serve tão bem a todas as formas do mal." JOSEPH BRODSKY

PEDRA

A pedra
é uma criatura perfeita

igual a si mesma
percebe seus limites

é perfeitamente preenchida
por seu sentido de pedra

seu cheiro não lembra nada
não assusta não excita

seu ardor e frieza
são justos e dignos

sinto um grande remorso
quando a pego na mão
e seu corpo nobre
é envolvido pelo meu falso calor

- Pedras não podem ser domadas
até o fim nos olharão
com olhos calmos e transparentes.

OBJETOS

Os objetos inanimados são sempre corretos e,
infelizmente, não se pode censurá-los por nada.
Jamais vi uma cadeira deslocar o peso de um
pé para outro, nem uma cama empinar-se sobre
as patas traseiras. E as mesas, mesmo quando
cansadas, não ousam dobrar os joelhos. Desconfio
que os objetos ajam assim com intenção
pedagógica, a fim de nos reprovar constantemente
por nossa instabilidade.

NO ARMÁRIO

Sempre desconfiei que a cidade fosse uma
falsificação. Mas só numa tarde nevoenta
no início da primavera, quando o ar cheira
a amido, que descobri a natureza da fraude.
Vivemos dentro de um armário, nas mais abissais
profundezas do olvido, em meio a varas quebradas
e caixas fechadas. Seis paredes pardas, as nuvens-
pernas de calças acima de nossas cabeças, e o que
até ainda há pouco julgávamos ser uma catedral
mas na verdade é apenas um sombrio frasco de
perfume evaporado.
Ó pobres noites, em que rezamos à passagem de
uma mariposa-cometa.

SUICÍDIO

Ele era muito teatral. Colocou-se diante do
espelho com um terno preto e uma flor na lapela.
Levou a arma até a boca, esperou até que o
tambor esquentasse e, olhando para seu reflexo
com um sorriso alheado, puxou o gatilho.
Caiu como um paletó lançado dos ombros, mas
a alma continuou em pé por algum tempo,
sacudindo a cabeça, cada vez mais leve. Então,
com relutância, ela penetrou no corpo, sangrento
na extremidade superior, no momento em que
sua temperatura estava caindo para o nível
térmico de um objeto, o qual - como sabemos -
é sinal de longevidade.

O texto do Brodsky e as poesias transcrevi da revista Piauí deste mês, pois achei-as de uma beleza espantosa, assustadora. Há outras igualmente tocantes.