João:
Se você me perguntar quem foi, eu te direi como a Danuza se referia às festas badaladas de antigamente: le tout Rio. Pois o Rio ontem reverenciou a Literatura na inauguração da nova sede da Estação das Letras no Flamengo, e foi uma festa concorrida, porreta, super animada! Não sou boa em cálculos, mas acho que no vai-e-vem havia umas 300 pessoas. Pena que você não veio, pois teria encontrado nossos amigos de copo e de cruz, os professores, poetas, escritores, agregados e curiosos, claro. A galeria da Marquês estava apinhada, o chorinho correndo solto, os garçons passando com bandejas cheias de canapés leves e coloridos.
Mas você se lembra de como era a Estação há dois meses atrás, com uma sala apenas, e sem um lugarzinho pra gente papear, não é? Agora ela tem 3 salas de aula, uma boa livraria e espaço pra gente ler, conversar, tomar café que eu vou te contar! O espaço está mais bonito, caprichado, e tem delicadezas que só a Suzana poderia ter imaginado, como as frases escritas nas paredes do Paulo Sérgio Pinheiro, logo à entrada, aquela outra famosa do Borges - na livraria - se referindo aos livros, e muitas outras. O espaço foi pensado para ser aproveitado por quem lê, pois há cantinhos para a leitura, onde você fica ali e se esquece da vida, você tem que conhecer.
Mas foi um festão. Às 16h, quando cheguei, já tinha muita gente, e o que mais chamou a minha atenção foi a livraria bem à frente de quem entra. A Suzana disse que nem 10% dos livros tinham chegado, mas uma livraria é tudo! Imagino quando estiver completa, como vai atrair novos alunos. E há livros pra todos os gostos, como a coleção nova do Nelson Rodrigues, aquele livro caprichado da Beatriz Resende "Rio Literário", cada escritor falando de um canto da cidade, você conhece. Há a boa literatura latinoamericana, o Ruy Castro, que também estava ao vivo e em cores com a Heloísa Seixas. Em suma, vale conferir com carinho, te garanto que você vai sair satisfeito, exigente como é.
A música do evento foi o ponto alto da festa. O "Choro na praça" atacou de bossa-nova e chorinho com o maior gabarito, cara, você tinha que ver. Flauta, pandeiro, violão e cavaquinho. Tom Joba, Noel, Newton Mendonça, Vinícius, toda a galera carioca no que a música brasileira tem de mais carioca, o maior barato!
O buffet foi variado e gostoso, com um vinho branco leve e um tinto, refrigerantes e água geladinhos, pois o calor na galeria era grande. Os canapés eram frios, abertos, com queijos, frutas e frios, numa composição de cores bonita nas travessas. Depois cantamos parabéns, a Suzana apagou a velinha dos 12 anos da Estação das Letras, e comemos um bolo muito macio, essa parte você irira adorar.
Esqueci de te contar que também houve leitura de poesia, meio corrida, mas dando um toque especial ao evento. Os autores leram suas próprias criações, e em algumas um solo de violoncelo triste as acompanhava, muito bonito. E o lançamento da Bia Albernaz ocorreu simultâneo à festa, o livro dela foi um ensaio sobre a Clarice. Clarice é só uma.
As meninas que trabalham com a Suzana estavam lindas: a Giselle grávida, já na bica de ter o bebê, ficou sossegada e sentadinha com o rapaz da livraria, tem juízo. As duas outras, a Tatiana e a Giselle 2a. estavam com seus saltos 10, agulha, nos trinques, uma coisa. Suzana também arrumadíssima, de batom, muito bonita. Eu senti um orgulho imenso de participar como aluna dessa tribo. Dá muito prazer.
Bem, espero que tenha gostado das novidades, e não se esqueça: na segunda-feira, 8 de setembro, vai ter a palestra do nosso professor de Biografia, o Carlos Didier, lá na Academia Brasileira de Letras, nessa você tem que vir, pois você sabe como ele é fera no assunto e articuladíssimo.
Bem de novo, me despeço e te convido para vir conhecer a nova sede da Estação das Letras o mais rápido possível. Além do espaço chocante, venha estudar de novo literatura, há muitos cursos novos e diferentes. Te mando as fotos assim que o Horácio puser na web, certo?
Saudações Literárias! Um grande abraço da,
Maria
sábado, 6 de setembro de 2008
AUTORIA NA REDE, DE QUEM É?
Um bom artigo na Cronópius saiu sobre este assunto: a difusão e a desmaterialização do livro, da poesia, da idéia.
Afinal, qual é o lugar da autoria na rede?
Por Fábio Oliveira Nunes
Quando a rede Internet torna-se popular no final do século XX – oriunda da gradual abertura da estrutura descentralizada e militar da rede americana ARPANet – configura-se um espaço aberto para todos aqueles que até então estavam distantes do crivo hegemônico. Quer difundir sua produção? Coloque-a na Internet, oras. Inicialmente, a rede era propícia apenas para a divulgação de elementos textuais ou com algumas imagens fixas de baixíssima resolução. Com a expansão da banda larga aos usuários comuns, a rede tornou-se também o lugar de todas as demais linguagens contemporâneas passíveis de estarem no domínio digital, tais como, animações e vídeos com resoluções e duração cada vez maiores.
No evento Cartografia Web Literária, realizado duas semanas atrás no SESC Consolação, em São Paulo, com o apoio do site Cronópios, do qual participei em uma produtiva mesa sobre as interfaces poéticas na web, entre as questões recorrentes (e não apenas nesta mesa) está um sentimento de inquietação de uma legião de autores que nasceram sob uma espécie de limbo tecnológico – uma preocupação existencial que se esboça a cada texto disposto na rede. O fato é que esse autor se localiza em uma indeterminação de pensamentos ora contraditórios, ora conflitantes – entre a necessária divulgação e a necessidade de inserção em um mercado restrito, entre querer ser reconhecido, mas não poder publicar na rede seus melhores ou recentes textos sob o risco de ser sumariamente copiado.
A primeira resposta para o autor de conteúdos divulgados através da rede é pensar que o maior de todos os valores é a difusão. Como bem pontua o pensador americano John Perry Barlow em seu célebre e pioneiro texto – de 1994! – sobre a economia em tempos de rede, Vender vinho sem garrafas: a informação não pode ser vista pela ótica simplista da mercadoria já que a informação torna-se mais valiosa à medida que é difundida, quanto mais acesso, mais valor. Já a mercadoria, limitada sob o prisma do mercado, ganha valor quando é cada vez mais desejada, ganha valor na condição de escassez. Com a rede, os autores caíram em si sobre algo que há muito tempo, a arte conceitual já tinha encarado: a desmaterialização.
No fundo, antes da rede, nunca se vendeu simplesmente poemas: sempre se venderam livros, mercadorias fisicamente tangíveis. Mesmo na questão de direitos de autor, o que se protegia era o livro e não as idéias, os conceitos ali presentes: estes sempre foram universais e gratuitos. Mas, com a digitalização, perdemos os continentes e ficaram apenas os conteúdos: não precisamos como antes do livro, da fita, do CD ou do DVD, já estão todos trafegando como dados que vão ricocheteando pelos cafundós do planeta (mesmo que se materializem eventualmente em algum nó por aí). O que temos são dados que querem ser lidos, querem se reproduzir e como seres vivos em busca de oxigênio – contornam-se das ameaças ao seu livre trânsito e emergem. Os dados são como as idéias. Mas pouquíssimas pessoas ainda entenderam isso.
As empresas de software lidam com essa desmaterialização e ao mesmo tempo ainda mantêm estruturas arcaicas de lidar com os problemas de propriedade intelectual. E mesmo a opinião pública, ainda está muito aquém: um projeto de um senador brasileiro sobre “segurança na rede Internet” trouxe a tona a discussão sobre a possibilidade de considerar crime o uso de programas compartilhadores de redes Peer-to-Peer (P2P). Os programas P2P conectam computadores a computadores em diversas redes de compartilhamento de arquivos e podem promover uma difusão ainda mais democrática do que via WWW (interface gráfica a qual estamos acostumados via navegador web, que requer um servidor para suas páginas) – ainda que uma grande parte dos conteúdos seja discutível.
Quando se coloca a difusão como elemento-chave, aparecem outras soluções possíveis. No Cartografia Web Literária, se falou um pouco sobre Copyleft – um substituto a altura da Copyright para a fluidez que invariavelmente corre nas redes. Trata-se de uma licença que difere da idéia de domínio público: limita o uso privado e pode possibilitar modificações e distribuição. Softwares que não limitam seu código fonte podem ser melhorados por outros programadores. Nesta ótica, poemas também poderão ser melhorados por outros poetas. A rede é o espaço para situações de colaboração que vão ser justapostas a uma velha noção de autor e que, ao mesmo tempo, libertam as idéias da ditadura da mercadoria, sem qualquer crise existencial.
Fábio Oliveira Nunes (ou Fabio FON) É doutor em artes na ECA-USP, pesquisando sobre a arte em novos meios. É também mestre em multimeios na UNICAMP e bacharel em artes plásticas na UNESP. Atua como artista multimídia e webdesigner.
Afinal, qual é o lugar da autoria na rede?
Por Fábio Oliveira Nunes
Quando a rede Internet torna-se popular no final do século XX – oriunda da gradual abertura da estrutura descentralizada e militar da rede americana ARPANet – configura-se um espaço aberto para todos aqueles que até então estavam distantes do crivo hegemônico. Quer difundir sua produção? Coloque-a na Internet, oras. Inicialmente, a rede era propícia apenas para a divulgação de elementos textuais ou com algumas imagens fixas de baixíssima resolução. Com a expansão da banda larga aos usuários comuns, a rede tornou-se também o lugar de todas as demais linguagens contemporâneas passíveis de estarem no domínio digital, tais como, animações e vídeos com resoluções e duração cada vez maiores.
No evento Cartografia Web Literária, realizado duas semanas atrás no SESC Consolação, em São Paulo, com o apoio do site Cronópios, do qual participei em uma produtiva mesa sobre as interfaces poéticas na web, entre as questões recorrentes (e não apenas nesta mesa) está um sentimento de inquietação de uma legião de autores que nasceram sob uma espécie de limbo tecnológico – uma preocupação existencial que se esboça a cada texto disposto na rede. O fato é que esse autor se localiza em uma indeterminação de pensamentos ora contraditórios, ora conflitantes – entre a necessária divulgação e a necessidade de inserção em um mercado restrito, entre querer ser reconhecido, mas não poder publicar na rede seus melhores ou recentes textos sob o risco de ser sumariamente copiado.
A primeira resposta para o autor de conteúdos divulgados através da rede é pensar que o maior de todos os valores é a difusão. Como bem pontua o pensador americano John Perry Barlow em seu célebre e pioneiro texto – de 1994! – sobre a economia em tempos de rede, Vender vinho sem garrafas: a informação não pode ser vista pela ótica simplista da mercadoria já que a informação torna-se mais valiosa à medida que é difundida, quanto mais acesso, mais valor. Já a mercadoria, limitada sob o prisma do mercado, ganha valor quando é cada vez mais desejada, ganha valor na condição de escassez. Com a rede, os autores caíram em si sobre algo que há muito tempo, a arte conceitual já tinha encarado: a desmaterialização.
No fundo, antes da rede, nunca se vendeu simplesmente poemas: sempre se venderam livros, mercadorias fisicamente tangíveis. Mesmo na questão de direitos de autor, o que se protegia era o livro e não as idéias, os conceitos ali presentes: estes sempre foram universais e gratuitos. Mas, com a digitalização, perdemos os continentes e ficaram apenas os conteúdos: não precisamos como antes do livro, da fita, do CD ou do DVD, já estão todos trafegando como dados que vão ricocheteando pelos cafundós do planeta (mesmo que se materializem eventualmente em algum nó por aí). O que temos são dados que querem ser lidos, querem se reproduzir e como seres vivos em busca de oxigênio – contornam-se das ameaças ao seu livre trânsito e emergem. Os dados são como as idéias. Mas pouquíssimas pessoas ainda entenderam isso.
As empresas de software lidam com essa desmaterialização e ao mesmo tempo ainda mantêm estruturas arcaicas de lidar com os problemas de propriedade intelectual. E mesmo a opinião pública, ainda está muito aquém: um projeto de um senador brasileiro sobre “segurança na rede Internet” trouxe a tona a discussão sobre a possibilidade de considerar crime o uso de programas compartilhadores de redes Peer-to-Peer (P2P). Os programas P2P conectam computadores a computadores em diversas redes de compartilhamento de arquivos e podem promover uma difusão ainda mais democrática do que via WWW (interface gráfica a qual estamos acostumados via navegador web, que requer um servidor para suas páginas) – ainda que uma grande parte dos conteúdos seja discutível.
Quando se coloca a difusão como elemento-chave, aparecem outras soluções possíveis. No Cartografia Web Literária, se falou um pouco sobre Copyleft – um substituto a altura da Copyright para a fluidez que invariavelmente corre nas redes. Trata-se de uma licença que difere da idéia de domínio público: limita o uso privado e pode possibilitar modificações e distribuição. Softwares que não limitam seu código fonte podem ser melhorados por outros programadores. Nesta ótica, poemas também poderão ser melhorados por outros poetas. A rede é o espaço para situações de colaboração que vão ser justapostas a uma velha noção de autor e que, ao mesmo tempo, libertam as idéias da ditadura da mercadoria, sem qualquer crise existencial.
Fábio Oliveira Nunes (ou Fabio FON) É doutor em artes na ECA-USP, pesquisando sobre a arte em novos meios. É também mestre em multimeios na UNICAMP e bacharel em artes plásticas na UNESP. Atua como artista multimídia e webdesigner.
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
POEMA
Uma poesia de um grande escritor.
Veio na Piauí, edição de setembro, página 47. Há outras lindas!
Te amo por sombrancelha, por cabelo, te debato em corredores branquíssimos
onde se jogam as fontes de luz,
te discuto em cada nome, te arranco com delicadeza de cicatriz,
vou pondo em teu cabelo cinzas de relâmpago e fitas que
dormiam na chuva.
Não quero que tenhas uma forma, que sejas precisamente o que
vem atrás da tua mão,
porque a água, considera a água, e os leões quando se dissolvem
no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitetura do nada,
acendendo suas lâmpadas no meio do encontro.
Todo amanhã é o quadro onde te invento e te desenho,
disposto a te apagar, assim não és, muito menos com esse cabelo liso,
esse sorriso.
Busco tua soma, a borda da taça onde o vinho é também a lua e o espelho,
busco essa linha que faz o homem tremer
numa galeria de museu.
Além do mais te amo, e faz tempo e frio.
JULIO CORTÁZAR
Veio na Piauí, edição de setembro, página 47. Há outras lindas!
Te amo por sombrancelha, por cabelo, te debato em corredores branquíssimos
onde se jogam as fontes de luz,
te discuto em cada nome, te arranco com delicadeza de cicatriz,
vou pondo em teu cabelo cinzas de relâmpago e fitas que
dormiam na chuva.
Não quero que tenhas uma forma, que sejas precisamente o que
vem atrás da tua mão,
porque a água, considera a água, e os leões quando se dissolvem
no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitetura do nada,
acendendo suas lâmpadas no meio do encontro.
Todo amanhã é o quadro onde te invento e te desenho,
disposto a te apagar, assim não és, muito menos com esse cabelo liso,
esse sorriso.
Busco tua soma, a borda da taça onde o vinho é também a lua e o espelho,
busco essa linha que faz o homem tremer
numa galeria de museu.
Além do mais te amo, e faz tempo e frio.
JULIO CORTÁZAR
Hoje pela manhã, recebi de uma grande poeta e não menos amiga, esta poesia que coloriu meu dia. Repasso.
RECICLAGEM
Na velha varanda invadida de verde
o sol varre as sombras e as sobras do tempo,
os sujos, os musgos, escuros murmúrios
vestígios de vidas , ruídos de antes
dos contratempos.
Fundo-me às marcas, manchas, cicatrizes,
ao cromo-limo que, como as paredes,
também sou eu um campo arqueológico
arcando aos anos mas deixando o sol
florir meus verdes.
MAJU COSTA
RECICLAGEM
Na velha varanda invadida de verde
o sol varre as sombras e as sobras do tempo,
os sujos, os musgos, escuros murmúrios
vestígios de vidas , ruídos de antes
dos contratempos.
Fundo-me às marcas, manchas, cicatrizes,
ao cromo-limo que, como as paredes,
também sou eu um campo arqueológico
arcando aos anos mas deixando o sol
florir meus verdes.
MAJU COSTA
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